"Nesse tempo vivia-se nos cafés. Não se entrava apenas para comer um dos célebres bifes ou beber uma bica. Eram locais para passar grande parte do dia — e da noite, por entre uma ida ao cinema. Neles habitavam escritores, poetas, cineastas, críticos, jornalistas, estudantes, pensadores e aspirantes a qualquer uma destas coisas. Falava-se de política, criticava-se o regime, discutiam-se as notícias que chegavam do que se via, ouvia e lia “lá fora”.
O café era de tal forma uma segunda (ou, em alguns casos, primeira) casa que era habitual os clientes receberem telefonemas lá. O telefone tocava, um empregado atendia e perguntava para a sala: “O sr. X está? Chamam-no ao telefone.” O embaixador Francisco Seixas da Costa recorda num texto o dia em que no Monte Carlo alguém brincou e, ligando da cabine telefónica do próprio café, pediu para falar com o general Humberto Delgado. O empregado que atendeu era jovem e não sabia de quem se tratava, pelo que perguntou se o general estava na sala, recebendo de volta um coro de gargalhadas. Mas os telefonemas podiam também ser usados quando alguém queria tornar-se notado e pedia para lhe telefonarem para o café, garantindo que o seu nome seria gritado em alto e bom som.
Um texto do crítico de cinema Eurico de Barros, citado por Margarida Acciaiuoli, descreve a vida no Monte Carlo: “Chegava-se de manhã, comprava-se a imprensa, tomava-se o pequeno-almoço, lia-se um livro, via-se quem estava ou passava.” E, entre um almoço no restaurante, mais leituras à tarde, “cavaqueira com quem tivesse chegado entretanto”, jantar, cinema e “serão no café até às duas da matina, hora de fecho”, passava-se o dia."
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